sexta-feira, 21 de outubro de 2011

AO MESTRE, COM CARINHO Delúbio Soares (*)

Já são mais de três décadas como professor da rede pública de ensino. Também sou sindicalista e militante das causas sociais, além de ter participado da fundação do PT e da CUT. Mas, antes de tudo e de mais nada, sou professor. O orgulho que sinto pela profissão que abracei é igual à imensa admiração que menino do interior goiano eu devotada às minhas professoras nas humildes escolas de minha terra querida.
Foi minha admiração por meus professores, meu respeito por cada um deles, que me encaminharam para o magistério. Conseguiam ensinar, plantavam a semente do saber na cabeça de cada criança ou adolescente, descortinavam o mundo novo e o amanhã melhor que nos esperavam para mais além das fronteiras de nossa cidadezinha querida, do Goiás dos anos 60, ainda reacionário, improdutivo e carente.
Hoje, ao ver a heróica resistência dos professores mineiros – numa greve que ultrapassou os 100 dias até ser vitoriosa – diante da inflexibilidade e da frieza tecnocrática do governo tucano de Minas Gerais, ou recordar as cenas trágicas de como o então governador Alvaro Dias, hoje radicalíssimo líder do PSDB no senado, soltou os cães ferozes, a tropa de choque e as bombas de gás lacrimogêneo em cima dos professores do Paraná, constato o quanto o Brasil mudou. O presidente Lula tratou a educação e o magistério com a atenção e respeito necessários. E a presidenta Dilma tem ampliado as conquistas da área, investindo pesadamente na melhora de nossas universidades, escolas, do material pedagógico e da qualificação profissional dos docentes.
Republico trechos do artigo “O professor, esse que faz o amanhã”, com o qual homenageei, em 2009, os meus colegas de profissão. Continua atualíssimo:
“A história da humanidade, a trajetória dos povos, a construção das civilizações, a edificação das culturas, o surgimentos das nações, o avanço das ciências, as conquistas da raça humana, tudo, rigorosamente tudo, sem exceção de nada ao longo dos séculos, existiu, existe ou existirá sem que, em algum momento ou em todo o seu tempo, tenha tido em seu bojo o trabalho
de um mestre”.
“Da conquista da lua ao sucesso de uma empreitada empresarial, do escritor consagrado que acontece nas livrarias do mundo ao jovem humilde e promissor de uma escola do interior goiano, em tudo e em todos, estará a marca da sagrada devoção, do sentido de missão, do sacerdócio do ensinar elevado à sua mais sublime possibilidade, por obra e graça de mulheres e de homens que se dedicam a educar gerações e preparar o mundo de amanhã”.
“Só quem já teve a imensa alegria, a felicidade quase inconfessável, a paz que invade o espírito e nos enche de um sentimento muito próximo da graça divina, sabe exatamente o que é ser um professor. Perdidos em nossos afazeres diários, correndo atrás de ganhar a vida, de cuidar de nossas famílias, de lutar o bom combate da sobrevivência, acabamos por nem nos apercebermos da importância capital e da grandeza de nossa profissão”.
“Desde que o mundo é mundo, nada substitui o professor. Já vi crianças africanas sendo alfabetizadas debaixo da copa de uma árvore gigantesca, no interior de Moçambique, quando lá estive. Meninas e meninos que mal chegavam aos dez anos de idade, dividindo livros e cadernos entre si, com pés descalços mas olhos bem abertos, sofridos mas atentos, operando a aventura suprema do homem: buscar o saber. E lá na frente, enrolada em panos multicoloridos de suas vestimentas tribais, com a pele negra brilhando sob o sol escaldante da savana de um continente tão rico e tão pobre, a jovem professora transmitindo o que também lhe foi ensinado, num espetáculo onde a miséria não conseguiu derrotar a esperança, nem o presente de privações impedia que se lutasse por um futuro de abundância. Olhando a professora guerreira de Moçambique lembrei-me da sentença final de Oscar Schindler, o diplomata que salvou milhares de judeus na Alemanha de Hitler:“Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”.
“Mas nem precisava ter ido tão longe. Na Amazônia há mulheres e homens que navegam rios e igarapés, quando sequer o sol nasceu, eles próprios remando canoas pouco mais que primitivas, indo ensinar as crianças ribeirinhas no meio da floresta sem fim. No interior de Goiás, há professores que enfrentam o sol e a poeira, a chuva e a lama, de dia e de noite, indo aos distritos das zonas rurais de nossas cidades exercerem o magistério com a mesma dignidade e confiança com que phd’s de Harvard, Oxford ou da Sorbonne o fazem preparando os jovens da elite mundial. Não há salário ruim (e são péssimos!), nem condições precárias, nem empecilhos de qualquer ordem que possam intimidar os que exercem o magistério ou impedi-los de cumprir a missão que se confunde com suas próprias vidas”.
“Existe dentro de cada grande líder político, de cada empresário bem sucedido, de cada médico gabaritado, de cada advogado respeitado, de cada profissional celebrado em sua área de atuação, seja ela qual for, ou mesmo de quem só passou pela escola primária e foi trabalhar como arrimo de família ou não teve as condições de chegar à universidade, a lembrança de uma professora ou de um professor, lá no fundo da memória, no recanto mais querido de seu coração, que o tenha marcado e transmitido um ensinamento útil, uma lição definitiva, que tenha apontado um caminho de vida ou aberto uma janela do conhecimento”.
“O Brasil hoje comemora o “Dia do Professor”. Eu poderia lembrar minha militância no Sintego, as lutas ao lado de centenas de companheiros na organização de nossa categoria, as importantes conquistas alcançadas em memoráveis jornadas. Deveria rememorar nossas greves, as manifestações fabulosas, o apoio que recebemos da sociedade goiana, de nossos alunos, de suas famílias. Poderia enumerar os grandes avanços do governo do presidente Lula, como a Bolsa-Família, por exemplo. Mas eu quero homenagear os meus colegas. Quero dizer que pouca coisa na vida gratifica mais do que ensinar, do que educar, do que preparar os brasileiros do futuro”.
“Nas voltas que o mundo dá, na gangorra da vida, na agitação do dia-a-dia, vamos perdendo um pouco da sensibilidade, vamos deixando de observar certas coisas simples e importantes, detalhes belos e tocantes. Porém, me recordo da alegria íntima de constatar que meus alunos estavam aprendendo o que lhes ensinava e que suas vidas não seriam mais as mesmas de lá para frente. E isso valia mais do que o salário de fome que me pagavam. E hoje é difícil não encontrar em minhas andanças, por Goiânia ou pelo interior, um ex-aluno. A memória raramente falha: lembro-me de quase todos e foram milhares. Raro o dia em que não escuto alguém me chamando, gritando do outro lado da rua, buzinando o carro: “Professor!”. Nesse instante mágico, de profunda ternura, volto no tempo e vejo que valeu a pena todo o sacrifício e dedicação”.
“Deixo meu abraço forte e minha homenagem aos meus colegas professores. Nós somos de uma categoria que, faz tempo, já superou a vaidade, mas tem muito orgulho do que faz. Nós fazemos o amanhã”.

(*) Delúbio Soares é professor www.delubio.com.br
www.twitter.com/delubiosoares www.facebook.com/delubiosoares
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