quinta-feira, 16 de junho de 2011

O BELO EXEMPLO DOS PERUANOS

Delúbio Soares(*)

"Os peruanos derrotaram a volta da ditadura

e demonstraram sua firme opção pela democracia"

(Mário Vargas Llosa)

Com trinta milhões de habitantes, cerca de doze milhões deles vivendo em condições consideradas abaixo da linha da pobreza, o Peru é, paradoxalmente, um dos países mais ricos da América Latina: seu subsolo tem reservas imensas de ouro, prata e cobre; sua indústria pesqueira é uma das mais desenvolvidas do mundo; a maior parte de seu solo é de imensa fertilidade e projetos agrícolas tem apresentado altíssimo retorno; o potencial turístico é imenso, ainda que explorado em escala tímida, e a exuberante biodiversidade das três distintas regiões (o litoral, o altiplano andino e amazônia) é invejável.

Os peruanos não deixaram de passar pelos mesmos dramas institucionais e conflitos políticos enfrentados por rigorosamente todos os países de nosso sofrido e promissor continente, protagonizando sempre uma belíssima história de lutas, enfrentamentos, derrotas ou vitórias. E, recomeços.

Há quinze mil anos foram a sede do Império Inca, que unificou culturas diversas a partir do século XII da Era Cristã. Construiram uma sociedade das mais interessantes, com avançada arquitetura para a época, sólida cultura e valores respeitados por seus cidadãos. O dominador espanhol chega por volta de 1532, sob a liderança de Francisco Pizarro, e destrói, com requintes de crueldade, toda aquela belíssima civilização, então sediada onde hoje se encontra a bela e histórica cidade de Cuzco. Logo em seguida, descendo os Andes em direção ao Oceano Pacífico, Pizarro funda a "Ciudad de Los Reyes", e nasce Lima, hoje com mais de oito milhões de habitantes e uma das maiores e mais fervilhantes metrópoles de toda a América.

De golpe em golpe, de ditador em ditador, de avanço a retrocesso, de retrocesso a avanço, os peruanos projetaram ao mundo os seus melhores valores nas artes, nos esportes, na economia, no pensamento, nas ciências, contribuindo de forma decisiva para o progresso do continente e da humanidade.

Trata-se de um dos países mais encantadores e de um dos povos mais multifacéticos, em permanente processo de reinvenção e de soerguimento, merecedor de imenso respeito e carinho pela determinação com que enfrenta desde terremotos à ditaduras, desde uma pobreza episódica à luta diuturna para traduzir em justiça e inclusão social a imensa riqueza natural da qual é dotada aquela Nação-Irmã.

Praticamente na mesma época em que o Brasil purgou o neo-liberalismo, com a entrega de nossas maiores empresas estatais a preços de banana, os peruanos sofreram o mesmo experimento, comandado pela figura nefasta de Alberto Fujimori, eleito pelo voto popular e, logo em seguida, chefe de um "auto-golpe" que fechou o parlamento, rasgou a Constituição e as leis, prendeu seus opositores e estabeleceu o império do terror e uma ditadura disfarçada e personalista. Durou uma década: assassinatos, sequestros, torturas, desaparecimento de cidadãos, criação de uma milícia terrorista no seio das forças armadas e perseguição à oposição e à imprensa livre.

Como todos os regimes de exceção, mais cedo que tarde, conhecem o seu fim, hoje o ditador paga o preço de seu desapreço pela democracia. Através de sua filha, uma jovem inexperiente e radical, tentou voltar ao poder. Teve o impressionante apoio de grande parte do poder econômico e da chamada grande imprensa. Não se poupou nada na tentativa de impor aos peruanos a volta a um passado do qual não sentem saudades: mentiras, ameaças, manipulação de fatos e de números, o terror econômico com quedas na Bolsa de Valores e a alta na cotação do dólar. Havia no Peru de 2011 um quê do Brasil de 1989 quando tudo isso foi feito contra o presidente Lula.

Poucas vezes a América Latina assistiu uma campanha eleitoral de nível tão baixo, com práticas tão lastimáveis quanto as utilizadas na recente jornada peruana. Ollanta permaneceu impassível, mantendo um nível alto, dicutindo os temas relevantes para o país e não fazendo o jogo sujo da direita desvairada e do fujimorismo impenitente. Mas venceu a esperança derrotando o medo, venceu a verdade, impondo uma derrota maiúscula à mentira e à manipulação dos fatos.

Os peruanos não se deixaram intimidar e deram uma demonstrão inequívoca de que optaram, de forma firme e serena, pelo regime democrático, pela estabilidade das instituições, como observou o genial escritor Mário Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura e defensor da candidatura de nosso companheiro Ollanta Humala, contra a volta do fujimorismo e da ditadura que tanto mal fez ao seu país.

A eleição de um presidente com claros compromissos sociais, que pretende se espelhar no exemplo do governo do presidente Lula - ao ponto de declará-lo publicamente - que buscará a inclusão desses doze milhões de peruanos carentes de educação, de habitação, de alimentação e de trabalho, é de suma importância histórica para todo o continente. As expectativas são grandes e as perspectivas, Oxalá, sejam as melhores possíveis.

Não se interrompeu uma autêntica "marcha social", que tem mudado a face das Américas do Sul e Central, que tem diminuído desigualdades de forma impressionante, que tem incluído socialmente centenas de milhões de mulheres e homens, que tem projetado horizontes aos jovens e amparado os idosos, que alfabetiza e que cura, que alimenta e que abriga, que não é paternalista, mas que é companheira.

O país que foi às urnas e elegeu Ollanta Humala, homem se reconhecida seriedade pessoal e admirador confesso do Brasil e de seu povo, é um país amadurecido. Conheceu a ditadura e o terrorismo. Rejeitou a ambos. Viu que tanto a generosa experiência do general Velasco Alvarado, no final dos anos 60 e início dos anos 70, de um regime de esquerda que promoveu a reforma agrária e uma tentativa de diminuir as gritantes desigualdades sociais na sociedade peruana, porém de forma autoritária; quanto a ditadura genocída de Alberto Fujimori e Vlademiro Montesinos, ultra-liberal, que entregou riquezas e empresas estatais, aprofundou tais desigualdades e empobreceu o país ainda mais.

Que belo exemplo deram os peruanos! Sem radicalismos, sem curvar-se à manipulação vergonhosa da grande mídia, do poder econômico, sem temer as ameaças, sem demonstrar receio diante de uma mudança para melhor!

Salve a Pátria de Victor Raul Haya de La Torre, que pensou a América Latina unificada; de Chabuca Granda, que cantou como ninguém o ritmo e a graça de seu povo; de Victor Delfin, o genial escultor, ex-ministro da cultura e que estava firme nos palanques de Ollanta; de Alfredo Brice Echenique, escritor de imenso talento; de José Carlos Mariátegui, um dos maiores pensadores e ideólogos de todos os tempos; de Cesar Vallejo, um dos maiores poetas latino-americanos de todos os tempos; de Mário Vargas Llosa, o genial escritor, que vencendo diferenças ideológicas pensou grande e apoiou, decidida e decisivamente, o novo presidente dos peruanos, impedindo a volta da ditadura, do medo, do terror, do passado nefasto.

Viva o grande povo peruano e o seu futuro promissor!

(*) Delúbio Soares é professor

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