sábado, 7 de novembro de 2009

071109 - Renovação política fragilizada


Uribam Xavier aponta uma crise atual nos partidos políticos e vê ideologias difundidas no século XX como falidas Foto: Kiko Silva
Especialista aponta que a apresentação de novos nomes não significa o surgimento de jovens liderançasEspaço de debates dos temas relevantes para a sociedade e uma das poucas formas de se modificar os rumos da atuação do poder público, a política vive, atualmente, o que os especialistas denominam de "crise de lideranças". Em todos os pleitos eleitorais surge uma série de novos nomes, novos rostos, porém, as práticas e ideias permanecem as mesmas. Os novos não significam a novidade e a representação popular nasce de um sistema ideologicamente falido e sob uma perspectiva de ocupação dos espaços de poder e não de política.

O surgimento de novos líderes, necessário para a evolução do pensar político e para soerguer a credibilidade dos representantes perante os representados, perdida há um bom tempo no Brasil, está restrito a nomes novos que, em grande parte, são filhos ou apadrinhados de políticos tradicionais, segundo especialista em ciências políticas.Professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, o cientista político Uribam Xavier aponta que se deve fazer uma diferenciação entre novos nomes e novas lideranças. Este segundo termo é mais amplo e deve representar, na visão dele, um rompimento com a forma "velha" de fazer política. "A cada eleição, as casas legislativas recebem pessoas novas. Alguns nomes têm mais visibilidade, mas por conta dos cargos em disputa", diz o especialista, ao denominar a diferença crucial entre os dois perfis: "a liderança é uma pessoa que incorpora um projeto político e se faz líder pelo conteúdo político que é expressado neste projeto. O que está em crise é a disputa por projeto político".

Partidos

A carência de novos líderes, pelo que afirmou, é a consequência de uma degeneração do sistema de representação política que começa pelos partidos políticos. O problema se concretizou a partir do momento em que os partidos de esquerda saíram da clandestinidade, com a reabertura democrática brasileira, e com o marco mundial da queda do Muro de Berlim, no fim da década de 80, que pôs fim à dicotomia entre siglas de ideologia "direita" e "esquerda", inicialmente na Europa, disseminando-a, depois, para os outros continentes."Nós tínhamos, na realidade, uma política ideológica que tinha, na sociedade, um espaço de discussão muito mais estruturado. Havia entidades sociais que formavam lideranças para além dos partidos políticos", disse. Ele citou, por exemplo, o movimento religioso da igreja Católica, que formou diversos líderes comunitários de base, com fundamentação na Teologia da Libertação, muito difundida no Brasil, na década de 1970. "Os líderes eram preparados para atuar não na igreja, mas na sociedade, nos espaços políticos", reiterou o professor Uribam, lamentando a ausência dessas atitudes do passado.

Alianças

O que há hoje, segundo ele, é uma engenharia política para acomodação de partidos a fim de ocupar espaços de poder, o que passa pelo fechamento de alianças políticas inimagináveis a um certo tempo. "Quando não é mais o projeto político que importa, qualquer aliança vale para se chegar ao poder. Neste sentido, a política passa a ser feita por dois aspectos: pela sua capacidade de gastar dinheiro e de usar os meios de comunicação o que é extremamente caro", complementa, ao acrescentar que os novos rostos que estão aparecendo nas discussões são ligados a essa característica. Os líderes que aparecem agora são pessoas que podem aglutinar um grupo de pessoas ao seu redor e, através disso, captar recursos para uma campanha.

Paradoxalmente, mas de forma intencional, o professor fala de lideranças clássicas e novas, para demonstrar que surgem líderes atualmente, mas dentro dessas características citadas. "Temos líderes, mas não que incorporem um projeto político. Por exemplo, eu não consigo enxergar o trabalhismo no PT, nem o socialismo no PSB, do Ciro Gomes", enfatizou.

A crise da liderança começa com o fato de os partidos políticos terem sido esvaziados. "Os partidos deveriam representar uma concepção de mundo, uma forma de organizar a sociedade, de ter valores e princípios e saber como tratar a coisa pública, além de regular as relações sociais e de mercado. Por não terem essas características, a sociedade se afasta dos partidos. A maioria passam a votar em pessoas", enfatizou.

Segundo ele, os movimentos atuais de juventude partidária servem apenas para fortalecer a criação de novos nomes, dentro da mesma lógica. "Para termos verdadeiros líderes precisamos raciocinar não com os partidos, mas com a formação política da sociedade. É preciso um processo de ação cívica, em que a sociedade tenha uma rede de interesses coletivos para surgir, neste espaço, os novos líderes".

Há 40 anos, a ditadura militar conseguiu aglutinar a sociedade no esforço pela reabertura democrática. Neste sentido, para o estudioso, o espaço de aglutinação no século XXI é a questão do meio ambiente, que pode ser a "ação cívica" para o surgimento de novas lideranças. "Esse movimento criará concepções de mundo diferenciadas e aí é realmente este, o espaço. A liderança falará uma linguagem nova. Não a de esquerda, direita, socialismo e capitalismo, mas de vida, de sustentabilidade, de respeito ao meio ambiente. Literalmente vai tirar das ideias essa capa do século XIX", acredita o professor Uribam.

Inácio Aguiar Repórter

FONTE: Diário do Nordeste

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