sábado, 25 de setembro de 2010

Lembranças da velha Ponta da Serra por Stela Siebra Brito

Noite de trovões e relâmpagos

e chuva farta.

Manhã inundada de luz

e cheia no rio Carás

terreiros inundados com poças d’ água

ou então, nas margens dos caminhos,

riachinhos que corriam entre pedras

e iam do terreiro da nossa casa ao terreiro da casa de vovô Valdevino

Eram nossos pequenos rios pessoais.

O dia ficava tão mais bonito depois que a chuva lavava tudo:

as flores, as pedras, o telhado, a calçado, o terreiro.

Existia outra luminosidade no ar

refletindo no chão, no espaço, nas árvores, nas almas das pessoas.

O cheiro da chuva quando já se foi

é diferente do cheiro que traz na chegada

que é um cheiro arrebatador:

a alegria, a festa, o alvoroço e, tantas vezes,

a impetuosidade com que chega tem cheiro

de que veio para um grande encontro de amor com a terra.

Desaguar nela, molhar, fertilizar, acordar seus minérios

aguando seus vulcões.

Ficávamos no alpendre da casa

olhando a chuva cair

olhando a chuva abençoar a terra

na sua partida

deixando os terreiros os caminhos as plantações

os rios as árvores os tabuleiros os animais lavados

e nossas almas também lavadas.

O caminho para os banhos no rio

por entre os arrozais

caminhos de poços d’ água

caminhos de lama

lagartas grudavam nas nossas roupas

minha irmã gritava apavorada

as outras riam e corriam

para o banho de rio.

Desnudas, despidas

de medo e pudor

mergulhadas nos rio

pura festa. Entrega.

Os muricis

os oitizeiros

os maris

as unhas de gato cobriam o leito do rio.

Do alto o sol se infiltrava por entre os galhos

curioso

espiando nossa nudez menina.

NOTA: A imagem acima trata-se de “uma foto de uma pintura que Antônio Augusto (meu irmão) fez a partir de uma foto (em preto e branco) da nossa casa (a casa de Joaquim Valdevino), que ficava no local onde hoje é o Clube Serravento” ( Stela)

2 comentários:

Stela disse...

Por falta de atenção, minha, o arquivo do poema foi incompleto. Falta o finalzinho, que aqui vai:


Desnudas, despidas
de medo e pudor
mergulhadas nos rio
pura festa. Entrega.

Os muricis
os oitizeiros
os maris
as unhas de gato cobriam o leito do rio.
Do alto o sol se infiltrava por entre os galhos
curioso
espiando nossa nudez menina.

Íris Pereira de Souza disse...

...e eu aqui a emocionar-me como alguém descreve com tanta realidade fatos assim, sei que são tão realistas por ter vivido iguais situações, alegrias, brincadeiras, viver,viver,viver...
Como fomos criadas diferentes das nossas crianças atuais. Mas cada um tem suas vantagens. Nós tivemos as nossas.
Beijo nesse coração e nessa cabeça de ouro
Sua fã
Íris Pereira