O baiano Otávio Mangabeira foi um dos maiores brasileiros de todos os tempos, um cultor da liberdade e dos valores da cidadania. Ainda jovem, foi chanceler na República Velha e impressionou o país com seu talento e competência. O Estado Novo, em 1937, o levou ao exílio. Voltando em 1945, Mangabeira foi eleito governador de sua terra e realizou uma excelente administração, que investiu na educação como nunca antes qualquer outro governo. Era um otimista nato, mas sempre se referia à democracia no Brasil como “essa plantinha tenra”.
Como admirador do velho e saudoso estadista baiano luto por uma democracia que seja um jatobá frondoso – como aqueles do belíssimo interior do meu Goiás, de raízes profundas no solo da brasilidade, secular, à prova das intempéries e que sobreviva às gerações futuras, mas defendo que cuidemos dela como se fora a plantinha tenra, sempre carente de atenções e cuidados, de nossa vigilância diuturna contra seus inimigos, merecedora de imenso respeito e consideração absoluta.
A democracia tem se mostrado ao longo dos séculos o regime que melhor se adapta às necessidades dos povos. Nas conturbadas transições históricas, nos processos revolucionários, na desgraça das ditaduras, depois dos golpes de estado, não importa em que situação, mais cedo ou mais tarde o sol da liberdade irá nascer e com ele a democracia reinará sobre todos. Sempre foi assim e assim sempre será. Há exemplos eloqüentes ao longo da história da humanidade e todos eles demonstram a vitória das liberdades, a prevalência da democracia e a grandeza dos povos e de seus destinos históricos.
Desde a redemocratização, após a belíssima campanha das Diretas Já, com milhões de brasileiros nas ruas exigindo pacificamente o seu direito sagrado e inalienável de escolher o presidente da República, o Brasil tem dado demonstrações de maturidade e de democracia que se enraíza no solo da nacionalidade. Não faltou quem conspirasse contra a democracia, quem não se conformasse com sua robustez e seu sucesso, com a clara opção que os brasileiros fizeram por ela, mas não obtiveram sucesso algum em seus intuitos de levar o Brasil novamente ao regime ditatorial, ao império do terror e do desrespeito aos direitos humanos e às liberdades individuais.
Durante o governo do presidente Lula, quando a democracia já estava assentada no campo político, ela começou a se tornar uma realidade no aspecto social: mais de 30 milhões de brasileiros passaram da pobreza para a classe média. Não eram somente os indicadores de desenvolvimento humano (IDH), não era só a chamada “mobilidade social” a pleno vapor, mas era a democracia que passara da urna para o fogão: quem já exercia sua cidadania política passava a exercer uma espécie de cidadania social, comendo, vivendo melhor, dando uma vida bastante melhor para sua família, morando em casa digna, podendo comprar um carro, viajando de avião, ingressando na poderosa classe média nacional.
Dos presidentes da redemocratização de 1985 até os dias de hoje, o presidente Lula foi o mais combatido, justamente por esse detalhe: levou a democracia para a vida das pessoas mais simples, para o seu dia-a-dia, para o carrinho de suas compras nos supermercados, suas vestimentas, seus hábitos cotidianos, seus horizontes de vida. Lula ousou e conseguiu assegurar a cidadania a dezenas de milhões brasileiros deixados de lado por uma sociedade profundamente injusta. Isso foi, antes de tudo, um exercício de democracia e por isso Lula foi duramente combatido ao ponto de não pouparem todas as tentativas e possibilidades contra sua investidura e sua autoridade. O Brasil, que hoje celebra o êxito de seu governo espetacular em todos os campos, tanto no social quanto no econômico, deve registrar que a profunda crença democrática, a convicção arraigada desse operário nos postulados da democracia e de seus valores mais caros, foram vitais para que hoje pudéssemos avistar o futuro promissor de potência mundial não como miragem, mas como perspectiva alvissareira e muito próxima. Lula tanto resistiu à tentação autoritária da continuidade de um terceiro mandato, quanto resistiu bravamente ao golpismo impenitente.
A presidenta Dilma Rousseff dedicou sua juventude à luta pela liberdade. Pagou um preço caro por isso. Somente uma mulher corajosa e que acreditou tanto em suas convicções e por elas lutou com todas as suas forças pode dar os exemplos que ela tem dado. Do dia de sua posse até hoje não houve discriminação a nenhum governador de oposição, a parlamentar algum, a nenhum veículo de imprensa. Dilma está fazendo de seu mandato uma profissão de fé democrática, como foi sua vida pessoal e política, como foi o governo Lula, como é o programa do PT. A postura serena e o credo democrático da presidenta que os brasileiros elegeram, só é surpresa para os que não a conheciam ou os que não buscaram saber de sua história.
Cabe a todo brasileiro, da presidenta Dilma ao cidadão comum, guardar os valores democráticos e zelar pelas liberdades, cuidando da “tenra plantinha” a qual se referia mestre Otávio Mangabeira. Mas saibam os inimigos da liberdade, os golpistas de ontem, de hoje e de sempre, que as raízes da “tenra plantinha” já são profundas na terra brasileira, tal qual as dos frondosos jatobás de minha infância nos sertões goianos.
(*) Delúbio Soares é professor
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