quinta-feira, 11 de março de 2010

110310 - A cova da Nêga


O Sítio Caatingueira, localizado no entorno do Distrito de Ponta da Serra em Crato, Ceará está repleto de referências à questão negra. Embora de forma bastante velada, como em toda região do Cariri devido à teoria do “embranquecimento” da população. E ainda face à carga de preconceitos que reside nos ombros do povo negro.

Na entrada do Sitio Caatingueira existe uma capela com uma cruz. É a chamada "COVA DA NEGA". Alguns diziam que o lugar era "mal assombrado". Conta-se que toda noite aparecia no local, uma imensa bola de fogo que perseguia principalmente estudantes que iam ao Distrito de Ponta da Serra no horário noturno. Pelas características dos relatos o que acontecia era o fenômeno do fogo fátuo, o chamado fogo corredor.

De acordo com os mais antigos moradores, no século XIX, uma escrava negra fugiu de uma fazenda para escapar de um castigo por parte do seu dono. Correndo pela mata noite adentro chegou até uma casa de fazenda nessa localidade. Era madrugada e após varias tentativas em acordar a família, com medo de onças, à época espécie abundante na região, resolveu dormir no alpendre. Ao amanhecer foi encontrada morta com marcas de uma intensa luta pelo corpo. Logo, atribuiu-se a causa da morte a um ataque de onça.

O corpo da negra foi enterrado na beira da estrada e o local passou a ser chamado de Cova da nêga. Com o tempo as pessoas foram acendendo velas, ofertando flores. Uma capela foi erguida no local, reforçando a devoção popular. Hoje, principalmente em dia de finados muita gente visita o local e faz promessas para a nêga pedindo chuva, uma boa safra, restabelecimento da saúde, dentre outros pedidos.

No entanto, cabe alguns questionamentos: Quem era a “nêga”? Ela não tinha nome? Porque o álibi “onça” foi aceito com tanta naturalidade? Porque a enterram na beira da estrada, sem que o proprietário reclamasse o corpo? Como era o trabalho dos negros/as na região? Como ficou a situação da população negra, pós 1884, data da “abolição” no Ceará?

A história da Cova da nêga nos leva ainda a refletir sobre a situação atual das comunidades negras do Cariri, sobre a situação das mulheres, e principalmente mulheres negras, martirizadas, violentadas todos os dias.

Os álibis da estupidez humana não devem cristalizar nossas consciências. O tempo não pode ser responsabilizado pela ausência de memória. Os mitos não podem nos fazer acreditar que nada podemos fazer para modificar a realidade indesejada.

O documentário A cova da Nega objetiva religar os fios de uma história mal contada. Afirmar que negros/as, contribuíram na formação do povo da região do Cariri. Com isto pretende-se fortalecer a causa pluriétnica, tirando da invisibilidade comunidades negras e indígenas que sofreram com o abandono e a exclusão ao longo dos tempos.

O filme, uma produção do Ponto de mídia livre Projeto Verde Vida da Ponta da Serra, será lançado oportunamente, dia 8 de março, dia internacional da mulher, no I Encontro das trabalhadoras negras rurais promovido pela Cáritas Diocesana de Crato em parceria com o Grupo de Valorização Negra do Cariri.

Alex Josberto Andrade Sampaio