Uma experiência na zona rural do Crato serve de referência para pesquisa acadêmica a ser enviada ao MEC
Crato. “Prezado ouvinte, bom dia. Com este prefixo musical entra no ar a RPS, Radiodifusora Ponta da Serra, com o compromisso irredutível de defender o útil, o bem e a verdade, rogando a Deus que nos ilumina e nos dê sabedoria para divulgar a cultura de nossa comunidade. Que a paz do Senhor esteja convosco”.
O radialista amador, Antônio Correia Lima, conhecido por “Toinho”, nunca imaginou que esta saudação que marca o início dos trabalhos de sua velha e amada amplificadora saísse da Vila de Ponta da Serra, a 20 quilômetros do Crato. Recentemente, Toinho recebeu a visita de uma equipe pedagógica da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza, que esteve em Ponta da Serra com o objetivo produzir conteúdos digitais para ensino da Língua Portuguesa, que será apresentado ao Ministério da Educação e Cultura, a ser exibido em todo o Brasil para alunos do Ensino Médio da rede pública.
O reconhecimento da amplificadora, que é instalada na sala da frente da casa de Toinho, com alto-falantes distribuídos em pontos estratégicos do povoado, é resultante de uma reportagem publicada pelo Diário do Nordeste em agosto. Em e-mail enviado à Sucursal do jornal no Crato, Toinho afirma que, logo depois da publicação da reportagem, recebeu um telefonema, confirmando a visita da equipe de acadêmicos.No entanto, manteve-se em silêncio porque não acreditava com seria objeto dessa reportagem. “Eu nunca pensei que uma simples amplificadora despertasse o interesse das autoridades educacionais”.
Ao fazer este comentário, Toinho reconhece que o ponto de partida para esta projeção foi à reportagem do Diário do Nordeste, que tem promovido os valores regionais que geralmente são esquecidos.
Hábitos da comunidade
A radiodifusora de Toinho funciona conforme os hábitos e costumes da comunidade. Não é ligada, por exemplo, ao meio-dia, porque é a hora da madorna, o sono do almoço. Também é desligada à noite para não incomodar quem dorme cedo.
No mesmo ritmo lento, quase parando, é o sistema de manutenção da amplificadora. Toinho cobra apenas R$ 5,00 por anúncio. Com esta tabela ele consegue quase um salário mínimo por mês. É o suficiente para alimentar o sonho de possuir uma amplificadora. “Os avisos de morte e convite-enterro são de graça”, diz ele, que justifica que é uma forma de ser solidário com a família.
O comunicador sertanejo mora sozinho numa casa ornamentada com santos e equipamentos eletrônicos. Mesmo curtindo a solidão voluntária de um solteirão, ele abriu o seu coração para a sua comunidade. O som que ecoa no povoado, através das caixas de som, é a voz contida de homem tímido, que não tem coragem de se apresentar em público.
A professora Andréia Turolo, coordenadora do Curso de Letras, da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF), disse que o trabalho tem como objetivo valorizar os falares cearenses, dentro da concepção de que cada região tem um linguajar próprio, além de destacar a função social da amplificadora, um meio de comunicação que está desaparecendo.Andréa confirmou que a reportagem publicada no jornal despertou o interesse da equipe para o trabalho que está sendo editado. Ela se interessou também pelo trabalho lúdico das mulheres “bonequeiras” do Crato, um grupo de mulheres , com mais de 40 anos, que está preenchendo o vazio da vida doméstica, fabricando criativas bonecas de pano.
Outro assunto que chamou a atenção de Andréa foi o cordel publicado por Josenir Lacerda sobre o linguajar cearense. A poetisa resgata expressões nordestinas que estavam em desuso. “São palavras de entonações maravilhosas, que só em ouvir, você consegue quase desconfiar do seu significado”, diz Andréa.
ANTÔNIO VICELMORepórter
Mais informações:Radiodifusora de Ponta da SerraRua Monsenhor Assis Feitosa, 33 Distrito de Ponta da Serra, Crato (CE), (88) 3523.9153 Faculdade Integrada da Grande FortalezaAv. Porto Velho, 401, João XXIII, Fortaleza (CE)(85) 3299.9900
SAIBA MAIS
Romântico
A matéria publicada em agosto sobre a amplificadora, no Caderno Regional do Diário do Nordeste, destacou que a voz romântica dos locutores de estúdio, que ofereciam músicas para os ouvintes, foi abafada pelos estridentes carros de som. Os moradores dos vilarejos do Interior já não se sentam mais nos bancos da pracinha para ouvir mensagens musicais. A televisão acabou o fascínio das amplificadoras
Origem
Na contramão da história dos meios de comunicações, que tiveram origem na velha amplificadora, embrião das emissoras de rádio, a radiodifusora de Ponta da Serra nasceu da idéia frustrada de colocar em funcionamento uma rádio comunitária: a Rádio Ponta da Serra, que funcionou durante alguns meses e terminou fechada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
Amplificadora
Diante das exigências legais para manter uma emissora comunitária, o técnico Antônio Correia Lima, conhecido por Toinho, resolveu instalar uma amplificadora. Comprou um amplificador Delta, com 100 watts, um velho computador, um microfone e alguns CDs e instalou o equipamento na sala da frente de sua casa, na Rua Monsenhor Assis Feitosa, 33, em Ponta da Serra
Programação
Dali, ele transmite música, mensagens, avisos e aniversários para 12 caixas de som espalhadas em pontos estratégicos do povoado.
( FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE DE 29 DE DEZEMBRO DE 2008)
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