quinta-feira, 16 de outubro de 2008

COMÉRCIO NO INTERIOR

COMÉRCIO NO INTERIOR
Freguesia é fiel nas bodegas
O comércio das bodegas ainda resiste em bairros de municípios do Interior.
A fidelidade da clientela é característica



Miguel Félix atende aos clientes fiéis em sua bodega no Bairro Pinto Madeira, em Crato. Vendas a granel a partir de R$ 0,20 são feitas para a freguesia (Foto: Antônio Vicelmo)

Crato. No momento em que a cidade inaugura uma filial das Lojas Americanas, os saudosistas relembram as velhas bodegas que foram os embriões das grandes lojas e supermercados que fascinam as novas gerações. Mesmo diante da evolução comercial, com cartões magnéticos, compras virtuais e instalações modernas que colocam o cliente em contato direto com a mercadoria, a bodega ainda sobrevive, com o velho balcão e o amontoado de bugigangas. Nada substitui o calor humano transmitido pelo bodegueiro que conhece a vida de sua clientela, sempre fiel.

É o caso do bodegueiro Miguel Félix Pereira, proprietário de uma bodega, no Bairro Pinto Madeira, em Crato. O conforto e o símbolo de prosperidade estão no pé da calçada, onde está estacionada uma camioneta último modelo de propriedade do bodegueiro. Do lado de dentro, a história é outra.

Provinciano

Por trás do balcão de madeira, cercado de uma parafernália de mercadorias, Miguel Félix revive um comportamento provinciano que contagia a clientela que ele conhece pelo nome. Afinal são 45 anos de balcão.

A pipa de cachaça fica no fundo da bodega. É o reservado, o refúgio dos bêbados pobres ou alcoólatras que amanhecem o dia de garganta seca, mãos trêmulas, a procura da primeira dose.

A pipa, com capacidade para 200 litros, é abastecida quinzenalmente por Newton Peixoto, proprietário de um engenho e uma destilaria no sopé da Serra do Araripe. Cada dose de "cana" custa em média 20 centavos. "Ninguém encontra cachaça desse preço no mercado", diz o cliente, Francisco Alberto de Morais, conhecido por "Boy", filho do famoso sargento Morais, que se tornou conhecido no Crato porque não prendia ninguém.

A bodega é o espaço livre que se transforma na dispensa da casa do pobre. O dente de alho, o pacote de arroz, a garrafa de manteiga estão, disputando o mesmo espaço, com canos, torneiras, alicates, serrotes, uma variedade de mercadorias que satisfazem a clientela no preço, no prazo e, sobretudo, no atendimento personalizado a cada cliente.

A diferença está no atendimento. "Aqui a gente compra, por um exemplo, meio quilo de cimento, 50 centavos da margarina, meio pacote de café", diz o fiel consumidor, o eletricista, João Lacerda Pereira.

É verdade. O bodegueiro faz questão de ratear as mercadorias para atender às pessoas que só precisam de uma pequena quantidade. "A partir de 20 centavos, eu vendo", afirma.

Outra vantagem da bodega é o fiado. Miguel tem uma relação de mais de 200 fregueses que compram na caderneta, isto é, a prazo. Nestes 45 anos de bodegueiro, ele acumulou um prejuízo de R$ 30 mil, causado pelos maus pagadores. Ele mostra o pacote de vales, onde estão "entronizados" os velhacos. Mas ressalta que o número de bons pagadores é muito maior, "graças a Deus".

A bodega é mais do que um estabelecimento comercial. É o ponto de encontro, o centro de informações, a principal referência da comunidade. E, pelo andar da carruagem, não vai se acabar tão cedo. Miguel já tem um sucessor: é o filho Gilson Miguel Pereira que ajuda o pai no dia-a-dia das vendas, mesmo a preços pequenos, parecem se manter estáveis.


FIQUE POR DENTRO
Poema destaca a "Bodega do Interior"

O poeta paraibano Jessier Quirino descreve a bodega como o grande supermercado popular onde se vende tudo: ´Tem uma placa de fanta encardida,/ a bodega da rua enladeirada./ Meia dúzia de portas arqueadas e uma grande ingazeira na esquina./ A ladeira, pra frente se declina/ e a calçada vai reta, nivelada./ Forma palmos de altura de calçada,/ que nos dias de feira, o bodegueiro,/ faz comércio rasteiro e barateiro/ no assoalho de lona amarelada./ Se espalha uma couxa de mangalhos: é cabresto; é cangalha; e é peixeira; urupemba´.

Mais informações:
Mercearia de Miguel Félix, Rua José Marrocos, esquina com Monsenhor Assis Feitosa, Bairro Pinto Madeira
(88) 3523.8819

Antônio Vicelmo
Repórter

Jornal
Diário do Nordeste, 12 de outubro de 2008. - REGIONAL

ENQUETE
Por que comprar nas bodegas da cidade?

João Lacerda Pereira
70 ANOS
Eletricista

A bodega é uma espécie de dispensa da casa da gente. A gente compra o que quer e como quer.

Leandro Franco de Lima
60 ANOS
Jardineiro

Beber a dose na bodega é melhor do que no bar porque com menos de R$ 1,00 a gente se embebeda.

COLABORAÇÃO DE:
Tânia Peixoto
"O tempo é o meu lugar, o tempo é minha casa."
(Vitor Ramil)

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