Delúbio Soares (*)
“O destino humano é uma tremenda ironia”
Luis Buñuel
Quis o destino que a história do Brasil, tão cheia de caprichos quanto generosa, nos reservasse para a virada de 2010, um de seus capítulos mais belos. Importa pouco ou nada importa se muitos ficaram pelos caminhos da luta para que pudéssemos vivê-lo. Pelo Brasil e por seu povo, todo e qualquer sacrifício compensa e, por mais dura que seja sua provação, será pouco diante da grandeza de nossa gente e de seu merecimento.
Impossível não se emocionar com a beleza desse instante da vida nacional. Depois de seguidas derrotas e de tanto esforço, o operário metalúrgico, o migrante nordestino, o menino pobre e ex-engraxate, o filho carinhoso de Dona Lindú, o que foi atacado impiedosamente por não ter diploma e por seus tropeços gramaticais, realizou um governo que está no coração do povo, registrado em página memorável de nossa história, elogiado pelo mundo e quebrando paradigmas e recordes. Passará a faixa presidencial para uma mulher, nossa primeira presidenta.
Com o jeito dos mineiros e o ímpeto dos gaúchos, exigente e incansável, executiva competente e visionária, Dilma Rousseff chega à presidência da República sem medo e sem ódio. Ela não tem tempo de olhar para trás. Os que torturaram o corpo da jovem idealista não atingiram o espírito da mulher guerreira e determinada. Mãe e avó, Dilma chega ao Planalto com o compromisso histórico de continuar o mais bem-sucedido dos governos que o Brasil já conheceu e de mostrar ao mundo o talento e a garra da mulher brasileira.
O filho da mulher humilde e lutadora, que fugiu da seca e da fome do sertão nordestino em busca de uma vida melhor para uma penca de filhos, passa o comando de nosso país à filha do homem que deixou a fria Bulgária para encontrar no Brasil a oportunidade de trabalhar, tornar-se empresário de sucesso e constituir família. Dois destinos tão diferentes e tão iguais, que se encontram num momento maior da história de nosso país! Duas histórias tão diversas e tão coincidentes que se entrelaçam por conta da ironia do destino, dos desígnios insondáveis do universo e da vontade inapelável do povo! São os ventos da história, os que afastam do caminho dos povos o que não lhes é necessário e aproxima pedras e sonhos na construção do amanhã.
Teria pensado em ser presidente do Brasil o menino retirante, recém chegado da então paupérrima Garanhuns à fervilhante São Paulo, no instante mágico e dramático em que sua adorada mãe recusou-se a entregá-lo em adoção por caridosa senhora de classe média, visivelmente incomodada com a pobreza daquela família sem pai? O menino pobre tornou-se presidente da República e não são poucos o que o acham o maior de todos os que tiveram a oportunidade de governar o Brasil.
Por 28 dias torturada barbaramente, tendo seu corpo violado por chutes, pancadas e choques elétricos, a jovem mineira de família abastada e que se entregara à luta contra a mais cruel e brutal de todas as ditaduras que seu país conheceu, teria vislumbrado o momento em que, por decisão de 55 milhões de compatriotas seus, anos depois, não teria seu corpo coberto por feridas, mas pela faixa presidencial? Que os soldados de seu país não a teriam por prisioneira torturada, mas por comandante suprema das Forças Armadas? Que os que se oporiam a ela, na mais sórdida campanha eleitoral já assistida pelos brasileiros, seriam derrotados de forma eloqüente? A jovem idealista e sofrida chegou à presidência de seu país e seu povo lhe deposita imensa esperança e lhe destina confiança imensa na capacidade de trabalho e sabida competência.
Que grande dia esse, em que na virada de um ano para outro, com o mapa social, político, econômico e humano do país absolutamente mudado para melhor, o filho do pobre e a filha do rico, o operário e a doutora, Lula e Dilma, por obra dos ventos da história e da grandeza de nosso povo, protagonizam um dos momentos mais belos de nossa história!
Que imenso orgulho de meu país, de meu povo e da história que, juntos, estamos escrevendo.
(*) Delúbio Soares é professor
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