sábado, 1 de dezembro de 2012

O ESTADO LAICO E SUA IMPORTÂNCIA




Delúbio Soares (*)

O Estado laico é uma das conquistas da liberdade do homem e da democracia nas nações. O terror religioso - que viveu seu auge nos tempos medievais - e a exacerbação danosa de suposta fé religiosa caminharam juntos, de braços dados, fazendo estragos história afora.

O respeito dos regimes e estados constituídos à crença religiosa das pessoas é pedra-de-toque na vida das pessoas. Vimos, ao longo dos séculos, as maiores barbaridades e violações sem fim, serem cometidas em nome de valores caros ao ser humano. Da fogueira da Inquisição à perseguição aos judeus e às Testemunhas de Jeová pelo III Reich de Hitler, até a cumplicidade absurda da igreja católica com a ditadura militar genocida na Argentina, os exemplos se espraiam eloquentes e lamentáveis.

No Equador, faz exatamente um século, o presidente Elóy Alfaro morreu trucidado por uma multidão, insuflada pelos hierarcas locais do catolicismo. Porém, no Brasil pós-64 e no Chile de Pinochet, duas ditaduras implacáveis, o papel de apoio às forças democráticas e de solidariedade aos perseguidos por parte da maioria absoluta da mesma igreja, é dado histórico e louvável. O inesquecível Papa João XXIII, com o Concílio Vaticano II, e o histórico papel assumido pelo catolicismo com a opção preferencial pelos pobres, nos encontros de Puebla (México) e Medellin (Colômbia), aproximaram a igreja das bases da sofrida sociedade latino-americana.

Nas últimas eleições municipais, ao sabor das paixões e do radicalismo próprio dos pleitos disputados numa democracia, o tema voltou com força em quase todo o Brasil. Muitos foram os candidatos que se apresentaram com o apoio de diversas igrejas, das mais diferentes denominações, na busca do voto popular. E, lamentavelmente, um debate que não edifica se estabeleceu com igrejas apoiando e igrejas combatendo vários candidatos às prefeituras municipais.

Foi uma repetição melancólica do que ocorreu em 2010, quando o candidato direitista José Serra, do PSDB, trouxe às lides eleitorais questões já então superadas pela sociedade brasileira, unindo-se aos setores mais reacionários e retrógrados do espectro político e religioso, tentando tornar a disputa presidencial uma delegacia de costumes e, ao mesmo tempo, um pastiche de tribunal religioso dos tempos inquisitoriais. Felizmente, o Brasil civilizado, panteísta, que respeita o credo de cada um dos seus cidadãos, reagiu ao descalabro e derrotou o candidato das trevas e do obscurantismo. A preocupação político-institucional das igrejas é fato e deve ser respeitada. Sem, contudo, jamais se esquecer do caráter laico do Estado brasileiro.

O amadurecimento da sociedade brasileira passa, necessariamente, pela tolerância religiosa e o respeito absoluto à crença professada por cada um de nossos cidadãos. E assim tem sido, desde que na eleição para a Assembléia Constituinte de 1946, na redemocratização pós-Estado Novo, as arcaicas “ligas eleitorais” religiosas, perderam força e votos até serem extintas. Na República velha elas foram odiosos instrumentos do mais improdutivo conservadorismo, oligárquicas e higienistas, funcionando como autênticas travas à modernização de nossa sociedade e ao progresso. Elegiam parlamentares que se comprometiam com plataformas obscurantistas, que foram perderam terreno com a conquista do voto feminino, com o estabelecimento de leis de garantias ao trabalhador, com o desenvolvimento de um país que, enfim e com 30 anos de atraso, entrava no século 20.

O Estado laico é conquista da democracia e garantia de convivência entre os mais diferentes segmentos sociais e etnias que formam nossa nacionalidade, dando-lhe força e respeitabilidade. Aquí, numa terra abençoada e futurosa, árabes e judeus convivem, professam suas crenças em Mesquitas e Sinagogas e se confraternizam. Nossos irmãos de origem nipônica representam invejável força de trabalho e de empreendedorismo, num país em que o budismo plantou profundas e fortes raízes. E assim posso também recordar a miríade de brasileiros que encontraram no protestantismo, nas igrejas de confissão pentecostal, a materialização de seus valores espirituais e, por isso mesmo, merecem respeito e consideração.

Ao mesmo tempo em que condenamos o uso da questão religiosa na vida política e eleitoral, saudamos a grandeza, a importância e a modernidade representadas pelo Estado laico em toda sua plenitude.

(*) Delúbio Soares é professor

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